SÉRIE PLANEJAMENTO PATRIMONIAL: CODICILO

Dando seguimento à série “Planejamento Patrimonial”, iremos tratar nesse artigo a respeito do Codicilo.

Conforme dispõe o artigo 1.881 do Código Civil Brasileiro, toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso pessoal.

O primeiro ponto que chamamos atenção é que, para ser reputado válido e eficaz, basta o documento ser escrito à mão ou elaborado por processo mecânico, datado e assinado, sendo desnecessária a presença ou a assinatura de testemunhas; também, não há qualquer obrigatoriedade de registro ou algo do tipo.

Trata-se de um ato personalíssimo, ou seja, ninguém pode fazê-lo em lugar de outrem, além do que o codicilante deve ser maior de dezesseis anos e estar na plenitude de suas faculdades mentais.

O segundo ponto refere-se à possibilidade do codicilante dispor acerca do seu enterro. A primeira impressão é, de fato, bastante esquisita. Decorre da dificuldade imanente de lidarmos com o inevitável: a nossa própria morte.

Ultrapassada essa impressão, e permitindo-nos olhar para tal fato com uma visão diferente, constatamos a possibilidade do codicilante, por exemplo:

– Eleger o local em que pretende ser enterrado, se é que pretende fazê-lo, ou então ser cremado e suas cinzas jogadas no mar, ou guardadas em algum baú;

– Escolher determinada passagem bíblica, mensagem espírita ou de qualquer outra crença ou religião a ser lida quando do seu velório, se é que pretende fazê-lo, ou sepultamento;

– Disciplinar acerca da doação de seus órgãos.

Podemos constatar o respeito à vontade do codicilante, portanto. E esse, sem dúvidas, é o objetivo do codicilo, inclusive no tocante aos bens materiais: esse é o nosso terceiro ponto.

Importante registrar que o codicilante poderá dispor:

– Sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar; assim como,

– Legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso pessoal

Veja que o codicilante poderá dispor livremente, para quem entender, os bens objeto do codicilo, ou seja, não está obrigado a deixá-los para seu cônjuge meeiro e/ou herdeiros.

Ademais, tanto em um caso como no outro – itens (i) e (ii) acima -, observamos que os bens dispostos no codicilo não poderão ter um valor financeiro expressivo, sob pena de invalidade da disposição, ou, até mesmo, para alguns estudiosos, nulidade do instrumento.

Mas como aferir o que seria “pouca monta”, ou “pouco valor”? A norma jurídica não o estabelece expressamente, tendo restado à doutrina e jurisprudência a realização desta tarefa.

Para saber se as esmolas e os bens móveis são de pouco valor, faz-se o confronto com o patrimônio do codicilante. Representando percentual mínimo de seu patrimônio, terá sido respeitado o parâmetro legal. Como ressalta a doutrina, determinada joia pode ser o único bem de valor de uma pessoa e, para outra, de vasto patrimônio, uma dentre várias, insignificante se confrontada com o todo (IN: PELUSO, Cezar (Coord). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6. ed. rev. atual. Barueri: Manole, 2012, p. 2255).

Caso os bens sejam expressivos, poderá o interessado, ao invés do codicilo, firmar um testamento (para saber mais, acesse nosso último artigo sobre o tema).

O quarto ponto diz respeito à possibilidade de, em sendo um documento particular, ser realizado no codicilo o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento (art. 1609, II, CC). Este ato, mesmo que as demais disposições venham a ser revogadas pelo codicilante, será irrevogável (art. 1.610 do CC).

Como quinto e último ponto, importante observarmos que eventual codicilo será considerado revogado se, havendo testamento posterior, de qualquer natureza, este o não confirmar ou modificar (art. 1.884 do CC).

Por todo o exposto, podemos constatar que testamento e codicilo são documentos com características distintas, embora ambos sejam atos de última vontade, operando efeitos após a morte do testador e codicilante, respectivamente. O próprio Código Civil os trata em capítulos próprios.

Daí exsurge, por fim, ser o codicilo um documento extremamente interessante para fins de organização patrimonial, e como ato de última vontade. Normalmente coexiste paralelamente a um testamento, cada qual com a sua finalidade própria.

Há, portanto, a necessidade de referidos documentos serem elaborados com toda cautela possível, em observância às normas jurídicas e o entendimento dos tribunais pátrios. Evita-se, desta forma, que, ao invés de cumprir a vontade de quem o elaborou, sirva de meio para litígios indesejados entre os interessados.

 

FÁBIO LUÍS PEREIRA DE SOUZA

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Extensão universitária na Escola de Direito da Universidade do Minho, Campus de Gualtar, em Braga, Portugal. Membro do Grupo de Estudos de Empresas Familiares – GEEF / GVlaw / FGV Direito SP.

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