SÉRIE PLANEJAMENTO PATRIMONIAL: TESTAMENTO

Já tivemos oportunidade de tratar em alguns artigos acerca dos possíveis benefícios advindos de um Planejamento Patrimonial e Sucessório (“Planejamento”). Vimos, inclusive, que existem variadas maneiras de implementá-lo, tudo a depender das pessoas envolvidas e da forma como o seu patrimônio está estruturado.

Não há uma “receita de bolo”; é algo totalmente artesanal, amoldado em conformidade com as particularidades de cada caso e o interesse dos envolvidos.

Dentre os mais variados mecanismos utilizados, destacam-se: o testamento; o codicilo; a doação, com ou sem reserva de usufruto; a constituição de empresas (holding patrimonial e/ou de controle) com a adequada elaboração de documentos societários, como contrato social e acordo de quotistas, por exemplo; a instituição de cláusulas restritivas (inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade).

Neste primeiro artigo, trataremos do testamento. A ideia é abordar os demais instrumentos nos artigos vindouros, sempre com uma abordagem mais informativa do que técnica, e sem qualquer pretensão de esgotar o tema – tão complexo.

Afinal de contas, não estamos tratando aqui de um artigo científico ou mesmo de um parecer jurídico, mas de uma troca de ideias com o intuito de trazer alguns pontos interessantes e importantes sobre a temática proposta.

Pois bem. Quando pensam na palavra testamento, grande parte das pessoas imagina alguém de idade avançada, próxima ao final de sua vida, e que pretende, por isso mesmo, dispor acerca de seu vultoso patrimônio. Trocando em miúdos, algo inaplicável para a maior parte da população brasileira; contudo, essa se mostra uma visão equivocada.

Primeiramente, temos que lembrar que o testamento é um documento extremamente sério, em que cada pessoa pode dispor de parte ou da totalidade dos seus bens, além de outras questões extrapatrimoniais (reconhecimento de uma união estável ou de um filho, por exemplo). Para tanto, é necessário ser maior de dezesseis anos e estar na plenitude de suas faculdades mentais.

É um ato personalíssimo, ou seja, ninguém pode testar junto a outrem (por exemplo, o marido com a esposa, ou o pai junto ao filho), e tampouco em seu lugar, podendo ser alterado ou revogado a qualquer momento apenas pelo testador, enquanto vivo e capaz, operando efeitos exclusivamente após o seu falecimento. Entretanto, importantíssimo deixar registrado que, uma vez realizado o reconhecimento de filho no testamento, dentre outras declarações de fatos, tais atos não poderão ser revogados e tampouco retificados com outro testamento.

O testamento é um ato solene. Assim, para que tenha validade, deve seguir estritamente as formalidades previstas em lei. Existem basicamente três formas de testamento: público, cerrado e particular. Sem adentrar às particularidades e requisitos de cada qual, o que fugiria ao intento do presente artigo, temos que o testamento público, sem dúvidas, é o mais praticado, tendo em vista a segurança que propicia ao testador, na medida em que é lavrado por Tabelião e fica registrado em Cartório de Notas.

Com o falecimento do testador, o testamento é aberto em Juízo para que seja verificado tanto no aspecto formal, quanto material. Apenas após sua validação poderá ser dado cumprimento às disposições testamentárias, com o inventário e a partilha dos bens.

Abordado brevemente seu aspecto formal, temos que a grande jogada do testamento é a possibilidade de o testador dispor, conforme os seus interesses, de parcela ou da totalidade dos seus bens. Tudo irá depender da existência ou não de herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge).

Isso porque, em os havendo, ficará o testador limitado a dispor de forma livre unicamente da metade de todo o seu patrimônio (chamada “parte disponível”), que poderá ser utilizada para prestigiar quem quer que seja: cônjuge, parte dos herdeiros (filho que auxiliou os pais nos negócios, por exemplo), netos, amigos, entidades filantrópicas, etc. A outra metade (chamada “parte necessária”), como regra, obrigatoriamente será destinada aos seus herdeiros necessários, quer bem ou quer mal.

Inexistindo herdeiros, aí sim o testador estará livre para dispor de todo o seu patrimônio da forma que entender melhor, beneficiando, como exemplo, primos, tios, irmãos ou instituições das mais diversas.

É possível observarmos, portanto, o respeito a vontade do testador quanto à destinação dos seus bens. Caso não houvesse um testamento, a sucessão prosseguiria em conformidade com a ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do Código Civil.

Talvez seja essa a grande razão pela qual não sejam realizados tantos testamentos: a própria legislação dispõe acerca da destinação dos bens em caso de falecimento de um cidadão. Não seria melhor, contudo, que a própria pessoa organizasse a destinação que seu patrimônio terá após sua morte? Sem dúvidas, a resposta é que sim, embora a grande maioria das pessoas, certamente por desconhecimento, não se dê conta disso.

Outro grande trunfo do testamento é a possibilidade de estipulação das cláusulas restritivas de direito (notadamente de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade) no tocante aos bens pertencentes à parte disponível, o que não é passível de realização na parte necessária. Com isso, é possível garantir maior proteção aos beneficiários, caso sejam utilizadas com sabedoria (caso contrário, podem virar um transtorno também!).

Ainda, dentro da parte disponível, é possível estipular determinada condição ou encargo ao beneficiário, como, por exemplo, o dever de terminar a faculdade antes de receber o imóvel, ou de construir um mausoléu em favor do testador, respectivamente.

Por fim, com o testamento, é possível ser realizada a nomeação do inventariante para administrar os bens do espólio desde o falecimento até a partilha, bem como do testamenteiro para executar a vontade do testador disposta no instrumento.

Como ponto negativo do testamento, temos que considerar que os bens somente serão transferidos para o patrimônio dos herdeiros e/ou legatários quando da abertura da sucessão, ou seja, com o falecimento do testador.

E o problema disso reside no fato de que se está a discutir com muita intensidade pelos governos estaduais, bem como pelo governo federal, a possibilidade de ser implementado um aumento significativo na tributação da herança. Ou seja, as famílias poderiam planejar a transmissão da herança antes do advento desses possíveis aumentos, por meio da antecipação da herança por doação (o tributo incidente tanto para doação quanto para sucessão testamentária é o ITCMD, de competência estadual, possuindo a mesma alíquota no Estado de São Paulo, por exemplo).

Ocorre que, diferentemente do testamento, a doação é definitiva, não comportando arrependimento por parte do doador. Ou seja, na dúvida, seria recomendável disciplinar a herança por meio do testamento.

Constatamos, nesse breve texto, a versatilidade do testamento. Inclusive, ele pode vir a ser utilizado em conjunto com outros meios para a realização de um eficaz Planejamento – o que é muito usual.

Podemos imaginar, por exemplo, uma holding constituída para administração de bens próprios de uma determinada família, na qual nem todos os seus bens foram integralizados (até porque, em regra, não se convém que isso seja feito). O testamento poderia ser utilizado para disciplinar a destinação desta parcela do patrimônio que ficou fora da holding.

Portanto, se bem utilizado, o testamento pode servir como excelente instrumento para a estruturação de um planejamento patrimonial e sucessório bem-sucedido.

 

FÁBIO LUÍS PEREIRA DE SOUZA

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Extensão universitária na Escola de Direito da Universidade do Minho, Campus de Gualtar, em Braga, Portugal. Membro do Grupo de Estudos de Empresas Familiares – GEEF / GVlaw / FGV Direito SP.

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