SÉRIE PLANEJAMENTO PATRIMONIAL: HOLDING (PARTE IV)

No primeiro artigo sobre holding (clique aqui para ler), tratamos sobre o seu conceito, etimologia e, de uma forma geral, das suas principais funções. No segundo e terceiro artigos, abordamos de forma mais aprofundada alguns aspectos tributários relevantes, mais especificamente os possíveis benefícios advindos da chamada “holding imobiliária” (clique aqui para ler), bem como no que se refere à integralização de bens na holding com a subsequente doação das suas quotas (clique aqui para ler).

Neste quarto artigo, abordaremos como a holding pode acarretar uma maior proteção dos bens, com a segregação e/ou alienação de ativos.

Um dos mais importantes pressupostos de um planejamento patrimonial é a segregação dos riscos envolvendo a atividade empresarial da família e os seus bens particulares.

Toda atividade empresarial, ou empreendedora, traz consigo a possibilidade de ganhos consideráveis, como também de riscos jurídicos (tributário, trabalhista, cível, ambiental, regulatório, societário, etc).

Quem nunca ouviu algum empresário reclamar da alta carga tributária no Brasil, bem como de processos trabalhistas ou fiscais envolvendo quantias bastante significativas, ou, então, de conflitos homéricos envolvendo interesses dos próprios sócios?

Alguém poderia retorquir, alegando que a esmagadora maioria das sociedades empresárias brasileiras são de responsabilidade limitada (a famosa “Ltda”), ou seja, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, embora todos respondam solidariamente pela integralização do capital social (art. 1.052 do Código Civil).

A verdade é que a sociedade limitada possui personalidade jurídica própria, distinta das dos seus sócios, e por isso, realizada a integralização do capital social, ela quem deve responder pelas suas obrigações, incluindo eventuais dívidas com tributos e/ou colaboradores, dentre outras assumidas em seu nome.

Todavia, embora o patrimônio dos sócios e ex-sócios não responda, em regra, pelas obrigações da sociedade, há casos em que ele poderá ser atingido, por exemplo, quando houver:

(i) dissolução irregular (art. 134, VII, do Código Tributário Nacional);

(ii) desconsideração da personalidade jurídica pelo abuso da personalidade jurídica, mediante desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (art. 50 do Código Civil);

(iii) deliberação contrária ao contrato, à lei e ao interesse da sociedade (art. 1.010, §3º, art. 1.080 do Código Civil e art. 117 da Lei das Sociedades por Ações);

(iv) responsabilidade solidária de administradores, perante terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016 do Código Civil);

(v) atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos por parte de diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, tornando-se pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de referidos atos (art. 135, III, do Código Tributário Nacional);

(vi) falta de recursos das empresas para arcar com condenações em processos judiciais trabalhistas, casos em que a Justiça do trabalho, com muita facilidade e sem comunicação prévia, promove atos de constrição patrimonial de sócios e ex-sócios.

Sem contar que as instituições financeiras, praticamente à unanimidade, exigem que os sócios deem garantia pessoal, na modalidade de aval, pelos empréstimos e/ou financiamentos contratados pelas sociedades das quais são sócios. Deste modo, acabam por se tornar diretamente responsáveis por essas obrigações, respondendo, com seu patrimônio, em caso de eventual inadimplemento.

Constatamos que realmente existem riscos envolvendo a atividade empresarial, como referido no início do artigo, os quais devem ser sempre considerados e sopesados, especialmente quando tratamos de planejamento patrimonial.

Diante de tudo isso, resta a seguinte dúvida: como proteger os bens particulares, muitas vezes amealhados pela família no decorrer de uma vida inteira de trabalho?

A holding pode ser um ótimo instrumento para isso. Usualmente, após a constituição da holding e a integralização dos bens cuidadosamente destacados pela família para esse fim (por exemplo: imóveis utilizados para moradia, lazer e locação, os quais normalmente estavam apenas em nome dos genitores), as quotas são doadas por estes aos seus descendentes.

Nestes casos, referidos bens saem do patrimônio dos genitores – sócios da(s) sociedade(s) empresária(s) que naturalmente está(ão) no risco do negócio – e passam a compor o patrimônio da holding, cujas cotas pertencem aos descendentes, os quais estão fora do risco do negócio e, por vezes, até possuem outras ocupações/vocações que são alheias aos negócios da família; estão em formação acadêmica; ainda são muito jovens; dentre outras circunstâncias.

Lembrando que, como já abordado em artigo específico da série sobre doação (clique aqui para ler)esta pode ser efetivada com cláusula de reserva de usufruto pelos genitores aos seus descendentes. Embora não mais sendo proprietários dos bens, eles terão direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos enquanto referido usufruto não for extinto, podendo perdurar por completo, inclusive, até a morte de ambos os doadores, caso isso seja devidamente disciplinado.

Tal reserva de usufruto é bastante comum nesses casos de doação de quotas de sociedade empresária, mantendo o doador para si direitos políticos (como o de voto) e patrimoniais (como o de receber lucro), enquanto perdurar o usufruto.

Outra possibilidade interessante na doação das quotas é a estipulação das cláusulas restritivas de direito (impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade) no tocante à parcela do patrimônio doado. Com isso, é possível garantir maior proteção aos beneficiários caso tais cláusulas sejam utilizadas com sabedoria (caso contrário, podem virar um transtorno também!).

Por fim, é importante registrarmos que a proteção patrimonial, ora tratada, deve sempre ser implementada em planejamentos que costumamos chamar de “sadios”, ou seja, sem que as sociedades empresárias já contem com inúmeras execuções fiscais e processos trabalhistas, por exemplo.

Isso porque, em hipóteses como as referidas, a operação de planejamento patrimonial não trará a segurança almejada, em decorrência da possível configuração de fraude contra execução e/ou fraude contra credores, a depender de cada caso.

A experiência demonstra que, mesmo em planejamentos “sadios”, não existe “blindagem patrimonial”. Tal expressão dá a ideia, equivocada, de algo intocável; isto não existe, ao nosso ver, em absoluto!

O que se pode e deve buscar sempre é a máxima proteção possível, com base na legislação, doutrina e jurisprudência mais atualizadas e aplicáveis ao caso. E isso, após a devida análise das pessoas e patrimônio envolvidos, pois eles sempre deverão indicar o norte desse importantíssimo trabalho.

Até a próxima!

FÁBIO LUÍS PEREIRA DE SOUZA

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