SÉRIE PLANEJAMENTO PATRIMONIAL: HOLDING (PARTE III).

No primeiro artigo sobre holding (clique aqui para ler), tratamos sobre o seu conceito, etimologia e, de uma forma geral, das suas principais funções. No segundo artigo (clique aqui para ler), abordamos de forma mais aprofundada alguns aspectos tributários relevantes, mais especificamente os possíveis benefícios advindos da chamada “holding imobiliária”.

Neste terceiro artigo, abordaremos mais alguns aspectos relevantes de cunho tributário, notadamente no que se refere à (i) integralização de bens na holding; e (ii) doação das suas quotas.

INTEGRALIZAÇÃO DE BENS NA HOLDING

De início, é importante ter claro que a integralização de determinados bens na holding implica, necessariamente, transferência de sua propriedade. Assim, imóveis integralizados – que antes compunham o patrimônio de determinada pessoa física, por exemplo – passam a compor o patrimônio da pessoa jurídica (holding). A pessoa física, antiga proprietária do bem, passa a ser sócia da holding detentora do patrimônio imobiliário.

Outro ponto introdutório digno de consideração é que, como visto no artigo anterior, antes de o patrimônio ser integralizado na holding, deve ser realizada uma análise bastante acurada acerca dos bens e da vontade da família. Isso porque a venda de imóveis na pessoa física costuma ser menos onerosa do que na pessoa jurídica, ou seja, integralizar um bem para vende-lo a curto prazo pode ser um péssimo negócio; além disso, integralizar veículos ou valores em espécie na holding não é recomendável sob o ponto de vista financeiro.

Passando para o aspecto tributário, cerne do tema, temos que com a integralização de imóveis na holding patrimonial incidirá, como regra, o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência municipal, bem como poderá incidir o Imposto de Renda (IR) por eventual ganho de capital, de competência federal. Vejamos cada um deles separadamente:

(a) Imposto de transmissão de bens imóveis – ITBI

O ITBI será instituído e cobrado no âmbito de cada Município, a quem cabe regular bases de cálculo, alíquotas e temas correlatos, com autonomia (artigo 156, §2º, inciso II, da CF/88).

Entretanto, alguns preceitos estão fixados já na própria Constituição, de modo que a legislação de cada Município deve respeitá-los, observando os seus termos. E neste contexto, temos uma previsão da Carta Magna que diz que o ITBI não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão, ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil (artigo 156, §2º, inciso I, da CF/88).

Importante registrar que, conforme preceitua o art. 37, §1º, do Código Tributário Nacional – CTN, considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo. Todavia, se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição (§2º).

Temos, portanto, que a Constituição Federal de 1988 criou a chamada “hipótese de não-incidência”, também tratada como “isenção” em algumas legislações municipais, o que é pouco técnico (trata-se, em verdade, de uma imunidade), mas que, para efeitos práticos – ressalvadas as implicações jurídicas de cada instituto –[1], dá no mesmo, ou seja, importa na dispensa do recolhimento do tributo pelo contribuinte.

Essa hipótese de não-incidência poderia funcionar bem para os casos da chamada “holding mista”, em que além de controlar os bens, há também a exploração de outras atividades empresariais, como indústria ou prestação de serviços.

Todavia, se o intuito é proteger ao máximo o patrimônio da família dos riscos inerentes aos negócios, o ideal seria não realizar atividades empresariais e manter os bens sob o mesmo guarda-chuva, mantendo na holding exclusivamente os bens da família (“holding patrimonial familiar”) e providenciando desde logo o recolhimento do ITBI, que normalmente gira em torno de 2% (dois por cento) do valor venal do imóvel.

(b) Imposto de renda – IR

Como já visto no artigo anterior (clique aqui para ler), o cálculo do ganho de capital é determinado pela diferença positiva entre o valor de alienação e o custo de aquisição do imóvel. Na pessoa física, incidirá a alíquota de 15% sobre referida diferença positiva, desde que o ganho não ultrapasse R$ 5.000.000,00 – cf. tabela progressiva. Há, contudo, a possibilidade de isenção de imposto de renda sobre o ganho de capital na venda de imóvel residencial se no prazo de 180 dias o produto da alienação for aplicado na aquisição de imóveis residenciais (esse benefício só pode ser utilizado uma vez a cada cinco anos).

Em relação a incidência do IR por eventual ganho de capital na integralização dos imóveis da família na holding, há a possibilidade de postergá-la para o momento de eventual venda dos imóveis pela holding. Para tanto, basta realizar sua integralização pelo mesmo valor constante da Declaração de Imposto de Renda dos sócios que detinham referidos bens. Desde modo, não haveria qualquer variação positiva a fazer incidir o tributo.

E isto se mostra razoável porque, para as sociedades empresárias constituídas por quotas de responsabilidade limitada, o Código Civil não exige a elaboração de laudo de avaliação dos bens e direitos conferidos, embora prescreva responsabilidade solidária entre os sócios pela exata estimação de bens conferidos ao capital social, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade (art. 1.055, §1º, CC).[2]

Em que pese a referida possibilidade de postergar a incidência do tributo (ganho de capital), a integralização dos imóveis no ativo imobilizado da holding por um valor próximo ao de mercado, normalmente acima do declarado no IR, pode revelar-se uma estratégia acertada para uma eventual venda a médio / longo prazo pela holding, em que haverá a incidência de ganho de capital (exemplo: venda da sede ou de outro bem imóvel destinado à manutenção das atividades da holding, ou ainda de imóvel utilizado nesta exclusivamente para valorização [3], etc).

Isso porque, na integralização, a pessoa física pode aproveitar fatores de redução do ganho, tanto maiores quanto mais antiga for a data de aquisição do imóvel, a saber:

a) redução de 5% até 100% do ganho para imóveis adquiridos até dezembro de 1998;

b) redução de 1/1,0060m1 (lê-se: um inteiro dividido por um inteiro e sessenta décimos de milésimo elevado a “m1”), sendo “m1” o número de meses, ou fração, decorridos entre janeiro de 1996 (ou data de aquisição posterior) e novembro de 2005;

c) redução de 1/1,0035m2 (lê-se: um inteiro dividido por um inteiro e trinta e cinco décimos de milésimo elevado a “m2”), sendo “m2” o número de meses, ou fração, decorridos entre dezembro de 2005 (ou a data de aquisição, se posterior) e a data de alienação.

Esses fatores permitem reduzir o ganho e a tributação devida pela pessoa física na transferência de imóveis para a holding imobiliária em valor acima do declarado no imposto de renda dos sócios.

DOAÇÃO DAS QUOTAS DA HOLDING

Por fim, temos que a doação das quotas da holding patrimonial – dos genitores para a sua prole – trata-se de estratégia bastante utilizada, sobretudo por famílias empresárias. Com isso, obtém-se uma maior proteção dos bens, com segregação e/ou alienação de ativos, bem como facilitação no processo de inventário e prevenção de atritos entre herdeiros – o que será tratado especificamente em nosso próximo artigo.

A doação das quotas trará a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual. O imposto, que hoje é de 4% no Estado de São Paulo, pode chegar a 8% ou até mesmo a 20%.

Isso porque o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), que reúne os secretários estaduais de Fazenda, aprovou o encaminhamento de proposta de Resolução ao Senado Federal na tentativa de elevar a alíquota máxima do ITCMD de 8% para 20% – o que, se o caso, deverá ser realizado através de Emenda Constitucional. Frise-se que outros Estados já aprovaram novas regras para cobrança do ITCMD na forma progressiva, com alíquotas até 8%.

O Estado de São Paulo, por meio de recentes projetos de lei, buscou alterar o atual cenário no tocante ao ITCMD, tornando-o mais oneroso aos contribuintes – o que, cada vez mais, parece ser uma questão de tempo.

Portanto, aproveitar o momento para se valer da norma em vigor, com alíquota fixa a 4% e bases de cálculo inferiores ao valor de mercado dos bens, pode ser uma escolha muito acertada.

Importante lembrarmos que as doações (de imóveis, ou de quotas de empresas – holdings, por exemplo), um dos mecanismos mais utilizados para fins de planejamento patrimonial, devem ser planejadas e executadas com o máximo de cautela possível, recomendando-se a busca de orientação jurídica especializada, sob pena de ser algo desastroso para as famílias.

Até a próxima!

FÁBIO LUÍS PEREIRA DE SOUZA

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela USP. Extensão universitária na Escola de Direito da Universidade do Minho, em Braga, Portugal. Certificado pela participação no curso “Planejamento Sucessório”, da FAAP e no curso “Holding Familiar – Aspectos Societário, Tributário e Planejamento Sucessório”, da SodepeBrasil – Desenvolvimento Profissional. Membro do Grupo de Estudos de Empresas Familiares – GEEF / GVlaw / FGV Direito SP. Atuou na Divisão de Contratos do Departamento Jurídico da PepsiCo do Brasil Ltda. Sócio fundador do TPC.

MARCOS EMMANUEL CARMONA OCAÑA DOS SANTOS

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET. Cursou MBA em Gestão Tributária pela FUNDACE/USP. Atuou na equipe de contencioso e consultivo tributário do Departamento Jurídico da Confidence Cambio S.A. e da Paranapanema S.A. Sócio fundador do TPC.

ANTONIO CARLOS TREVISAN

Graduado em Direito e em Administração de Empresas. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Contabilidade e Governança. Membro do Conselho Fiscal do Instituto Ribeirão 2030, o qual tem por objeto e finalidade atuar a favor do desenvolvimento sustentável da cidade, com ênfase nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) aprovados pelas Organizações das Nações Unidas para serem alcançados até o ano de 2030. Foi Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil por 19 anos. Sócio fundador do TPC.


[1] Isenção pode ser revogada enquanto a imunidade é uma limitação, sempre existente, ao poder de tributar.

[2] José Henrique Longo, Karime Costalunga, Roberta Nioac Prado e Daniel Monteiro Peixoto. Sucessão Familiar e Planejamento Tributário II. In: Estratégias Societárias, Planejamento Tributário e Sucessório. Série GVLaw. SO: Saraiva, 2009, p. 273.

[3] Se a holding patrimonial for optante pelo lucro presumido e tiver como objeto social, entre outras atividades, a compra e venda de imóveis – e desde que observadas as normas contábeis para reclassificação do ativo não circulante (investimento) para o circulante (estoque) -, o custo de aquisição do imóvel, quando da integralização, não será relevante na venda futura do bem; isso porque o produto da venda será uma receita operacional e não um ganho de capital. Vide Solução de Consulta COSIT nº 07/2021 da Receita Federal do Brasil.

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