PENHORA DE SALÁRIO

No imaginário popular, é comum a crença de que o processo cível se encerra quando o juiz ou o tribunal proferem decisão final, reconhecendo ou negando determinado direito.

Todavia, na realidade, após decidido o mérito do processo, inicia-se uma nova fase, na qual a parte vitoriosa busca ativos do devedor, para que consiga receber os valores devidos.

Nessa fase, diversos sistemas integrados auxiliam a pesquisa de bens, permitindo bloqueios em contas bancárias (BacenJud), busca por veículos (RenaJud), acesso a declarações de imposto de renda (InfoJud) e negativação do nome do devedor (SerasaJud).

Dentre os bens passíveis de serem penhorados para adimplemento da dívida, podemos citar: dinheiro, títulos da dívida pública, títulos e valores mobiliários, veículos, bens imóveis, bens móveis em geral, quotas de sociedades simples e empresárias, percentual do faturamento de empresa devedora.

Mesmo assim, a atividade executiva ainda é considerada o calcanhar de Aquiles do processo civil brasileiro. Encontrar bens do devedor é tarefa árdua, especialmente nos casos em que ele, ciente das potenciais ações judiciais que virão, passa a criar proteções a seu patrimônio, por meio de doações e constituições de empresas, por exemplo.

A dificuldade de encontrar bens do devedor é tanta que o “Justiça em números 2019”, estudo elaborado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) detectou que, no Tribunal de Justiça de São Paulo, uma execução dura em média seis anos e dois meses apenas em primeira instância.

Diante desse cenário, o posicionamento que vem sendo adotado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) pode auxiliar nessa árdua busca por bens do devedor.

Isso porque, dentre os bens considerados impenhoráveis pelo artigo 833 do Código de Processo Civil, estão “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria e as pensões”, bem como “os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”. Em outras palavras, esse tipo de ativo, até então, não poderia ser penhorado e utilizado para saldar dívidas.

Entretanto, o entendimento do STJ tem se modificado no sentido de permitir a penhora de salário em casos excepcionais, como um novo meio para saldar dívidas, inclusive aquelas não alimentares, desde que essa penhora seja em patamar razoável e não prejudique a subsistência do devedor.

Em alguns julgados, essa penhora foi deferida em relação a percentual do salário (REsp 1.818.716/SC, AgInt no AREsp 1.408.762/AM, AgInt nos EDcl no REsp 1.676.013/DF), enquanto em outros foi deferida em relação aos valores que superassem os cinquenta salários mínimos mensais (AgInt no AREsp 1.512.319/SP, AgInt nos EDcl no REsp 1803343/SP, Resp  1.407.062/MG).

Dessa forma, a partir da gradual mudança de paradigma do STJ, quando ausentes outros bens do devedor (dinheiro em conta, imóveis, veículos etc.) e desde que isso não prejudique seu sustento, o credor poderá requerer a penhora de parte de seus vencimentos.

Por fim, é certo que se trata de nítido avanço do STJ no sentido de concretizar os princípios da efetividade e da duração razoável do processo, prestigiando, assim, a atividade satisfativa. Em outras palavras, a possibilidade de penhora salarial representa uma aproximação entre o reconhecimento do Direito pelos tribunais e a possibilidade de alcançar o objetivo do credor que, mais do que a mera discussão de teses jurídicas abstratas, busca principalmente uma resposta aos desbalanços financeiros provocados pela conduta do devedor.

 

GABRIELA CORRÊA DIAS

Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Campus Ribeirão Preto (FDRP/USP), tendo recebibo Prêmio de Reconhecimento de Desempenho da Graduação.

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