O PONTO POR EXCEÇÃO E A LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA

A MP da Liberdade Econômica, ao tramitar pelo Congresso, recebeu emendas que aumentaram seu âmbito de aplicação. A MP foi convertida na Lei 13.874 em 20 de setembro deste ano. Assim, a norma passou a contar com disposições que alteram a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), base da legislação trabalhista.

Dentre as mudanças trabalhistas mais relevantes está a nova sistemática no controle do horário de trabalho. Por isso, considerando os reflexos probatórios que o controle de horário pode possuir em processos trabalhistas, bem como a jurisprudência até então oscilante do Tribunal Superior do Trabalho (TST), os impactos da nova legislação merecem atenção.

Previamente, a CLT estabelecia em seu artigo 74 que as empresas com mais de dez empregados deveriam, obrigatoriamente, controlar o horário de entrada e saída de todos esses diariamente. Na nova redação do mesmo artigo, o parágrafo 4º do dispositivo é categórico: “fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.

Desse modo, empregadores e empregados podem, dentro de sua liberdade contratual, estabelecer que o controle de horas será realizado exclusivamente nos dias em que expediente for maior ou menor àquela estabelecida no contrato de trabalho. Pensa-se, por exemplo, nos dias em que o trabalhador realizar horas extras. Convencionado o ponto por exceção, presume-se que os dias no qual o expediente não tenha sido registrado configurem-se como dias de entrada e saída no horário regular.

A nova lei segue na esteira do raciocínio iniciado pela reforma trabalhista de 2017, que busca privilegiar o acordo entre as partes em detrimento às imposições legais da CLT. Já na reforma de 2017, o mandamento de privilégio do negociado sobre a lei, previsto no artigo 611-A da CLT, admitia a negociação da “modalidade de registro da jornada de trabalho”.

Entre 2017 e a mudança aqui comentada, o TST viveu momento de impasse em seus julgamentos. De um lado, o entendimento tradicional do órgão continuou a ser aplicado, na medida em que a obrigação de ponto diário do antigo artigo 74 da CLT seria inafastável (vide os precedentes RR-1001420-59.2016.5.02.0332 e RR-131300-85.2002.5.01.0059). Por sua vez, outras turmas do órgão entenderam que o artigo 611-A permitiria a aplicação do ponto por exceção porque, desde que acordado, prevaleceria sobre a antiga redação do artigo 74 (como exemplos o RR-1001704-59.2016.5.02.0076 e o ARR-80700-33.2007.5.02.0261).

A permissão expressa do controle de horas por exceção trazida pela Lei da Liberdade Econômica, portanto, representa maior segurança jurídica ao pacificar a questão e dar razão à corrente jurisprudencial mais moderna, que entende que empresa e empregado podem convencionar esse tipo de anotação de jornada de trabalho em detrimento da anotação diária prevista pela CLT.

Entretanto, com a alteração legislativa surgem novos impasses. Isso porque o TST possuía entendimento consolidado de que os cartões de ponto com horários de entrada e saída uniformes, popularmente conhecido como “horário britânico”, não valiam como meio de prova (Súmula nº 338). Desse modo, em matéria de prova, a lógica do ponto por exceção de presunção de regularidade do horário trabalhado nos dias não anotados choca-se com o entendimento até então vigente no Tribunal.

Das considerações tecidas até aqui, vê-se que a pacificação sobre a legalidade do ponto por exceção trazida pela Lei da Liberdade Econômica simplifica o controle diário do expediente de trabalho por parte das empresas, garante segurança jurídica e é coerente com o escopo da Lei de facilitar e desburocratizar a atividade empresarial. Contudo, dada a nova incerteza interpretativa em matéria probatória, é necessário atentar-se às decisões futuras do TST, de modo a compreender como (e se) a corte atribuirá valor probatório a esse tipo de controle.

Referida análise é indispensável para evitar que a adoção do novo sistema possa significar riscos à efetiva comprovação do expediente e, consequentemente, transforme a intenção de simplificação da operatividade das empresas em dificuldade probatória no caso de ações trabalhistas.

 

PEDRO DO AMARAL FERNANDEZ RUIZ

Graduando em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Campus Ribeirão Preto (FDRP/USP).

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