ATESTADOS MÉDICOS E FALTAS JUSTIFICADAS

A legislação brasileira baseia o direito de faltas justificadas pelo trabalhador na lei nº 605 de 1949. Embora o foco da lei seja estabelecer o repouso semanal remunerado e regular o trabalho nos dias de feriado, o texto traz disposições também sobre a falta justificada.

Nesse sentido, é direito do trabalhador receber normalmente sua remuneração em caso de falta por motivo justificado sendo um desses motivos “a doença do empregado, devidamente comprovada” por meio de atestado médico (artigo 6º, parágrafos 1º e 2º).

Com essa previsão, o legislador estabeleceu uma relação tripla para a concessão do direito: o trabalhador vai ao médico que comprova a existência de motivo justo para a falta por meio de atestado. Após isso, o empregado leva o documento médico até o empregador comunicando que faz jus ao benefício da lei.

A relação é um caso no qual o direito, para ser reconhecido, precisa de complementação de outra área do conhecimento, a medicina. No âmbito médico, a Organização Mundial da Saúde estabelece a Classificação Internacional de Doenças (CID), lista com a classificação de doenças e outros problemas de saúde conhecidos.

A lista é constantemente atualizada e serve como guia aos médicos facilitando o diagnóstico do paciente e padronizando eventual diálogo com outros profissionais da saúde. Combinando o CID com a necessidade de atestado médico para a concessão de falta justificada, chega-se ao ponto central desse artigo.

Frequentemente empregadores subordinam o reconhecimento da falta justificada à apresentação de atestado médico com obrigatória indicação do código CID no qual se enquadraria o diagnóstico do empregado.

Na lógica do empregador a presença do código no atestado asseguraria a ocorrência da consulta médica, além de fornecer informação precisa relativa à saúde do funcionário. Por outro lado, a divulgação de dados relativos à saúde de uma pessoa (empregado) a um terceiro (empregador) poderia ferir a privacidade da relação médico-paciente.

Desde dezembro de 2015, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendia que a requisição do código CID por parte do empregador era regular. Entretanto, em março deste ano, a corte mudou sua orientação com o Recurso Ordinário 213-66.2017.5.08.0000.

Em referido recurso, o Ministério Público do Trabalho buscou anular cláusula de acordo coletivo utilizado por indústria de alimentação no Pará que subordinava a concessão de falta justificada à apresentação de atestado médico obrigatoriamente com código CID. O TST seguiu a versão do Ministério Público, reconheceu a nulidade e inverteu seu entendimento consolidado.

Assim, é necessário atenção por parte dos empregadores estejam eles vinculados ou não por meio convenções e acordos coletivos. Isso porque a decisão torna-se forte argumento e precedente para outros conflitos sejam esses individuais ou coletivos. Isso porque a argumentação utilizada na decisão relaciona o sigilo do código CID ao direito do trabalhador de ter sua intimidade e vida privada preservadas, direitos esses de nível constitucional.

Desse modo, aqueles empregadores que descumprirem a nova orientação potencialmente podem estar sujeitos a responder por danos morais ao empregado que precisou renunciar à sua intimidade a fim de fazer valer seu direito à falta justificada, como inclusive já antecipou a ministra Kátia Magalhães Arruda, relatora da decisão: “em tese, podemos considerar que qualquer violação à imagem do trabalhador, decorrente de situação de exposição do seu estado de saúde, pode gerar a obrigação de indenização àquele que deu causa”.

 

PEDRO DO AMARAL FERNANDEZ RUIZ

Graduando em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Campus Ribeirão Preto (FDRP/USP).

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